Mero espectador

Por mais que se trate de uma vida nova, de um universo diferente, no qual, prospecta-se um futuro brilhante, há certas coisas, pertencentes ao passado, que deixam lacunas. O bom dia da mamãe, o abraço do irmão, o conselho do pai, a lambida do cachorro logo ao despertar, o cheiro de café na tarde de chuva. Acontecimentos singelos, que compunham uma rotina, outrora julgada como monótona, mas que, hoje, são lembrados com saudade. E saudade é o que mais sinto. Infelizmente, não temos a prerrogativa de unir em um mesmo lugar nossos desejos, nossos objetivos e nossos amores. É utópico acreditar nisso. Fazer escolhas, trilhar caminhos distintos, abdicar e ceder, tudo faz parte da vida.

Considero-me uma pessoa de sorte. Não sei, nem faço ideia de onde, e para onde, essas mudanças, esses caminhos e bifurcações que o destino trama levar-me-ão. Entretanto, de antemão, possuo uma certeza: nunca encontrarei pessoas como eles. Considero-me sortudo. Além de uma família, de laços sanguíneos, admirável, em minha vida sempre tive a presença de "apêndices", se assim podemos definir. Apesar de a definição soar como secundária, como anexa, o papel destas pessoas sempre foi digno de grandes protagonistas, de suma importância.

Ontem, por exemplo, o dia era a nossa cara. Domingo, chuva, futebol, marasmo. Para muitos, um programa de índio. Para nós, tudo o que precisamos. Sinto falta de ir sempre ao mesmo lugar, para tomar a mesma cerveja, ouvir as mesmas conversas, as mesmas piadas, com as mesmas pessoas. Há sempre algo novo em nossa mesmice. E este é o ponto crítico. Corta-me o coração a cada foto postada, a cada comentário, a cada notícia. Meu riso não surge tão fácil, como antes. Ah, a minha ausência. De frequentador assíduo a "turista". De ator a mero espectador. Não é fácil. Temo, por vezes, perder o meu papel. Afinal, ninguém é insubstituível, salvo o sentimento, este fica.

Irmãos, parceiros, companheiros. Impossível nomear, criar um conceito estático. O curioso é que dentre suas particularidades, qualidades e defeitos todos assemelham-se. Fui mal acostumado por isso. Imaginei que não se tratava de uma peculiaridade de um grupo, que fosse algo raro. Não sabia que amizade e lealdade eram exceções. Sempre vivi nessa atmosfera de voluntariosidade, contudo, aos poucos, a vida fez com que eu despertasse, abrisse meus olhos. Independentemente das negativas, prefiro ficar com o bom exemplo. Procuro, todos os dias, ser um pouco de cada um, só um pouco deles. Não é fácil acostumar-me com a ideia que, daqui para frente, trata-se de um solo, ainda mais para quem sempre teve com quem contar em momentos de fraquejo ou de improviso. Não é fácil deixar de estar presente em cada acontecimento, em cada celebração, em cada simplório encontro. Não é fácil abdicar do privilégio de, além de escrever minha própria história, ser coautor de muitas outras. A ausência destronou-me. Perdi minhas regalias. Em nada ajo, pouco interfiro. Agora sou, apenas, um mero espectador.






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