Politicamente equivocado

O ritmo de nossa sociedade é, e sempre será, ditado por tendências. Calça boca de sino, blackpower, tamagochi, socialismo, capitalismo. Até mesmo os Menudos já exerceram influência e ditaram moda em nossas vidas. Pasmem. Entretanto, em minha humilde, sincera, talvez desqualificada, mas ainda, opinião, nada foi, e é tão prejudicial a nossa sociedade quanto esta onda do pensamento politicamente correto. Faço uma analogia, a respeito de nosso comportamento, com o de uma viúva, que traiu o marido, e agora, depois do sujeito já falecido, exalta-o por puro remorso. Tentamos reparar nossos erros passados com medidas paliativas, descabidas e, por vezes, equivocadas.

A opinião própria e a personalidade foram sucumbidas em nome de um discurso que promova uma suposta igualdade ou, ao menos, agrade a todas as partes. Até no futebol a coisa tá preta, ou melhor, "afrodescendente". A entrevista coletiva é embasada em "sim, com certeza, respeitar o adversário". Não existem mais "Tulios" ou "Vampetas". O politicamente correto calou-os. Não acho que tentar consertar equívocos cometidos seja uma atitude infundada. Contudo, acredito que a maneira que encontramos para fazer isso, e cito as cotas, que são a expressão do próprio preconceito embutido em nosso pensamento, é que não é a correta. Mas, hoje, ateremos-nos à superfície, a uma esfera mais frívola desta complexa discussão. Abordaremos apenas certas "nomenclaturas" que foram adotadas acredito que com o objetivo de proporcionar, ou melhor, tentar proporcionar, a inserção na sociedade de certos grupos sociais e reparar as discriminações causadas em outras épocas.

E foi assim que alguém teve a ideia de aplicar eufemismos para fazer referência a determinadas parcelas da população vitimizada. Porque, dessa forma, todos os nossos problemas estão resolvidos, não?! Assassinamos a boa e velha dona de casa. Ela agora,foi "promovida" a "do lar". E a sua empregada, então?! Deu um salto "gigantesco". Ascendeu ao posto de "secretária do lar". Os idosos, nossos queridos velhinhos, transformaram-se em membros da "melhor idade". O reumatismo e a aposentadoria medíocre foram mantidos, mas o "velho" soa pejorativo. Os negros, que já foram apenas pretos, agora são afrodescendentes. "Preto" é um termo tão pejorativo quanto branco, amarelo, vermelho. São apenas cores, em nada influem sobre caráter, princípios e valores do indivíduo. O problema é que nós somos preconceituosos. Abolimos a escravidão negra, mas não o pensamento de que uma certa parcela da população é inferior por ter a pele de determinada cor e realizamos um raciocínio deste toda vez que vamos nos dirigir a uma pessoa negra. É inevitável.  Quanto ao termo afrodescendente, especificamente, será que não é equivocado? Em pesquisa encomendada pela BBC, analisou-se o DNA do sambista Neguinho da Beija-Flor, que não adotou o apelido artístico por um acaso, e foi concluído que 67% dos genes do cantor têm origem europeia. E aí, ele é mais ou menos afrodescendente do que todos os outros brasileiros que, frutos da miscigenação, têm descendência africana? Será que Neguinho – antes que me processem, é apenas o nome dele, não é um termo pejorativo - recebe um rótulo de "marginalizado" sem ao menos merecê-lo? Qual o critério para tal classificação? Classificar pela aparência não seria politicamente incorreto ou, no mínimo, questionável? Eis a questão.

Obviamente é muito mais fácil adotar um termo ameno para mascarar nossas limitações do que resolvê-las. Tapar o sol com a peneira é uma excelente opção. A justiça apoia, o governo apoia, todo mundo apoia. Independentemente de os da "melhor idade" encontrarem-se em uma situação vexaminosa no que tange um sistema de saúde adequado. Independentemente da educação não atender a todos os brancos, negros, amarelos, roxos, azuis, a ponto de uma medida de segregação por cor ser adotada para preencher suas lacunas. Enquanto isso, sigo temeroso do dia em que chegarei em um restaurante e falarei: "Ei, garçom". E ele responderá: "Garçom não. Sou um profissional do ramo da logística alimentícia dentro de estabelecimentos comerciais". Não é muito mais bonito?! Temo também pela alteração do "parabéns para você". Afinal, seguindo a “cartilha do politicamente correto”, ninguém fica “mais velho”, como diz a letra. Apenas se aproxima da "melhor idade”. Que não me venham com essa história de “velho” em meu próximo aniversário! Eu processo, hein!

Mero espectador

Por mais que se trate de uma vida nova, de um universo diferente, no qual, prospecta-se um futuro brilhante, há certas coisas, pertencentes ao passado, que deixam lacunas. O bom dia da mamãe, o abraço do irmão, o conselho do pai, a lambida do cachorro logo ao despertar, o cheiro de café na tarde de chuva. Acontecimentos singelos, que compunham uma rotina, outrora julgada como monótona, mas que, hoje, são lembrados com saudade. E saudade é o que mais sinto. Infelizmente, não temos a prerrogativa de unir em um mesmo lugar nossos desejos, nossos objetivos e nossos amores. É utópico acreditar nisso. Fazer escolhas, trilhar caminhos distintos, abdicar e ceder, tudo faz parte da vida.

Considero-me uma pessoa de sorte. Não sei, nem faço ideia de onde, e para onde, essas mudanças, esses caminhos e bifurcações que o destino trama levar-me-ão. Entretanto, de antemão, possuo uma certeza: nunca encontrarei pessoas como eles. Considero-me sortudo. Além de uma família, de laços sanguíneos, admirável, em minha vida sempre tive a presença de "apêndices", se assim podemos definir. Apesar de a definição soar como secundária, como anexa, o papel destas pessoas sempre foi digno de grandes protagonistas, de suma importância.

Ontem, por exemplo, o dia era a nossa cara. Domingo, chuva, futebol, marasmo. Para muitos, um programa de índio. Para nós, tudo o que precisamos. Sinto falta de ir sempre ao mesmo lugar, para tomar a mesma cerveja, ouvir as mesmas conversas, as mesmas piadas, com as mesmas pessoas. Há sempre algo novo em nossa mesmice. E este é o ponto crítico. Corta-me o coração a cada foto postada, a cada comentário, a cada notícia. Meu riso não surge tão fácil, como antes. Ah, a minha ausência. De frequentador assíduo a "turista". De ator a mero espectador. Não é fácil. Temo, por vezes, perder o meu papel. Afinal, ninguém é insubstituível, salvo o sentimento, este fica.

Irmãos, parceiros, companheiros. Impossível nomear, criar um conceito estático. O curioso é que dentre suas particularidades, qualidades e defeitos todos assemelham-se. Fui mal acostumado por isso. Imaginei que não se tratava de uma peculiaridade de um grupo, que fosse algo raro. Não sabia que amizade e lealdade eram exceções. Sempre vivi nessa atmosfera de voluntariosidade, contudo, aos poucos, a vida fez com que eu despertasse, abrisse meus olhos. Independentemente das negativas, prefiro ficar com o bom exemplo. Procuro, todos os dias, ser um pouco de cada um, só um pouco deles. Não é fácil acostumar-me com a ideia que, daqui para frente, trata-se de um solo, ainda mais para quem sempre teve com quem contar em momentos de fraquejo ou de improviso. Não é fácil deixar de estar presente em cada acontecimento, em cada celebração, em cada simplório encontro. Não é fácil abdicar do privilégio de, além de escrever minha própria história, ser coautor de muitas outras. A ausência destronou-me. Perdi minhas regalias. Em nada ajo, pouco interfiro. Agora sou, apenas, um mero espectador.






Vamos quebrar paradigmas?


Convicção e perplexidade. Como dois termos tão contraditórios podem tornar-se tão próximos? Difícil responder. Entretanto, esses foram meus sentimentos após a palestra de Deca Soares, Coordenadora de Produção da Zero Hora. Uma pena que a sala 307 da Unipampa comporte apenas 60 ou 70 pessoas. O que se viu e ouviu ali foi muito mais do que uma explanação sobre jornalismo, comunicação, pauta, lead e afins. Foi muito mais do que uma palestra. Para alguns, um divisor de águas no tortuoso caminho da graduação. Para outros tantos, o momento de jogar a toalha. Hora de seguir o exemplo do caso contado por Deca e mudar o rumo da história. Hora de dizer adeus, ao menos para o jornalismo.

Essa quarta-feira, fantasiada de segunda, com uma atmosfera de ressaca, não veio apenas para cumprir tabela, como se diz no futebol. Foi um dia de ruptura, ao menos para mim. Quebrei alguns paradigmas, que, até o momento, aparentavam um hermetismo inconveniente, mas que, no fundo, tinha algum embasamento. Quando Deca adentrou ao recinto não precisou apresentar-se para que fosse reconhecida como Deca. Os olhares voltaram-se para ela. Vi um sorriso que destroçou qualquer pensamento maniqueísta, em relação ao chefe e ao empregado. Vi uma carregadora de fardos, e de fardos pesados, mas que cumpria sua trajetória com um andar seguro e elegante. Calçava saltos altos. Vi a convicção, pela primeira vez naquela tarde.

Porém, impressionante mesmo foi o início de sua fala. Contrariando a expectativa de um diálogo commodity, politicamente correto, Deca foi a fundo. A rotina, os desafios da profissão, as dificuldades do processo de convergência, a realidade, nua e crua. Commodity, por ali? Nem pensar. Aliás, sair deste viés de “mais do mesmo, por favor” mostrou ser uma preocupação, uma barreira a ser transposta. E como driblar este percalço? Deca responde: “com renovação”. Neste momento, percebi milhares de olhos brilhando. Em pensamento, planos eram traçados, portas eram abertas, possibilidades eram arquitetadas. A dúvida ficava por conta de quais olhos brilhavam mais. Os de quem ouvia, ou os de quem falava?

Quando Deca fala da Zero, ela é coração. A incondicionalidade do amor assemelha-se ao amor materno, contudo, é mais vibrante, tem mais pimenta. É paixão. E para integrar esta equipe, talvez, um anúncio perfeito seja: “Procura-se profissional vibrante, com brilho nos olhos e frio na barriga. Procura-se alguém com uma pitada de Deca”. Após a ressalva da importância na qualidade textual, luxo, hoje em dia, a explanação ia encaminhando-se para seu o fim. As dúvidas eram muitas, e de muitos. Aos poucos eram sancionadas. O relógio como sempre parece ter acelerado o tempo. É assim quando nos divertimos. Veio o final de palestra. Com ele, a oportunidade de uma conversa com Deca. Menos profissional que uma entrevista, mais sisuda do que um bate-papo. Foi dessa forma.

Achei que Deca já havia quebrado paradigmas suficientes naquela tarde. No entanto, voltou a surpreender-me. A experiente Jornalista, hoje, Coordenadora, não se considera realizada. Com humildade, diz que ainda engatinha em diversos aspectos. Diz ter sede de conhecer o novo, e que quer inovar. Pode soar pretensioso, porém, neste aspecto, enxergo aquela pitada de Deca em mim. Não sei o porquê. Mas, identifiquei-me. Era a convicção, mais uma vez, presente. Pouco mais de meia hora de conversa e Deca mantinha um olhar fixo, compenetrado, um tanto quanto intimidador. Quinze anos de Zero Hora. A disposição de um “foca”. A disponibilidade de um acadêmico. Quem foi à sala 307 da Unipampa – Campus São Borja, nesta quarta-feira, 2 de maio, não ouviu só uma aula de como fazer um jornal. Indico esta palestra para engenheiros, lixeiros, advogados, médicos, professores, pedreiros, enfim, para todos. Deca Soares não deu uma lição apenas sobre jornalismo. Mas deixou, sim, evidente o quão fundamental é amar o que se faz. Saí perplexo.