Uma semana e um ato para quatro anos


Vamos brincar de adivinhar o futuro? Domingo, por volta desta hora, muitos já terão decidido o destino que julgam ideal para suas cidades nos próximos quatro anos. Diante de si, apenas uma máquina - a urna eletrônica - aparentemente inofensiva, e que, talvez por esse motivo, não receba o nosso devido respeito.

A luta pelo direito do voto foi penosa, longa e lenta. Já passamos por diversas fases para construir, ou melhor, na tentativa de construir um processo eleitoral democrático e universal. Já houve épocas em que o eleitor era aquele que tinha posses, alta renda. Já votamos sob regime de cabresto, éramos coagidos. Tivemos tempos em que as mulheres não gozavam deste direito e outros em que todos perderam essa "prerrogativa". Após tantas reviravoltas neste processo, enfim, conseguimos assegurar, ao menos até o momento, o voto universal e secreto. O instante do voto é talvez um esboço de como o mundo deveria ser sempre e de como nós deveríamos encarar nosso próximo. É um raro momento em que o rico, o pobre, o muçulmano, o católico,o judeu, o alto, o baixo, o branco, o pardo e o negro, todos, têm o mesmo valor perante a sociedade e podem igualmente intervir e definir não só os seus, mas o destino de muitos ao seu entorno.

E depois de tanta luta, o que fazemos com esse verdadeiro patrimônio que adquirimos, chamado voto? Vendemos, trocamos, desperdiçamos, fazemos qualquer negócio. Cinquenta reais, dentaduras, algumas melhorias na fachada da da casa, ou algum tipo de cargo após a eleição. Tudo vira moeda nesse escambo moderno, que troca frivolidades por poder. Entretanto, a dentadura quebra, o cargo pode nem vir, os rebocos da fachada caem e os cinquenta reais não são suficientes para sanar o problema. Mas o político continua no poder. Se ele já tem tal tipo de atitude com poder, influência e verbas limitadas, imagine quando chegar ao cargo que almeja. É esse o indivíduo que quer para lhe representar?

Esse último final de semana antes do pleito marca também o "aniversário" de outro fato nevrálgico para a política brasileira. Quem sabe não seja coincidência, e sim uma manobra do destino para elucidar nossas mentes. Um aviso para não cometermos os mesmos equívocos. Há 20 anos, em 29/09/1992, a Câmara dos Deputados aprovava o processo de cassação de Fernando Collor de Mello, o "caçador de marajás", lembra dele? O primeiro presidente eleito após amargarmos anos de ditadura. O homem que quase metade do Brasil escolheu. Uma história que todos conhecem. Saímos às ruas com nossas caras pintadas, no, quem sabe, nosso último ato de dignidade, de não passividade diante da situação vexaminosa da gestão nacional. Só que não fomos nós quem derrubamos Collor. Ele mesmo contribuiu para sua derrocada. Cometeu o infeliz erro de acreditar em suas próprias fantasias, de crer que o São Jorge às suas costas o protegeria de tudo e que o personagem todo poderoso que havia criado era real. Hoje, os políticos estão vacinados. Não cometem esse tipo de erro. Vedam a boca de possíveis delatores de seus atos corruptos. Incluem-os nos esquemas. Tanto que, hoje, muitos cometem deslizes muito piores do que os do ex-presidente, e nada acontece. Mas Collor caiu.

Lembram quando perguntei se lembravam de Collor? Caso a resposta tenho sido sim, considere-se exceção. O mesmo ex-presidente - que a população queria tirar do poder - já foi recolocado, pela mesma. Fernando Collor de Mello é senador, pelo estado de Alagoas, e mais: membro do Conselho de Ética, isso mesmo, de Ética, do Senado. Algo no mínimo contraditório. Algo semelhante a Hitler presente em uma celebração de Bar Mitzvah. O caso de Collor é apenas um exemplo, e a "comemoração" do impeachment apenas uma lembrança. Lembrança para que todos fiquem cientes do poder que têm em suas mãos e da importância do voto. Então, no próximo domingo, sejamos conscientes. Ainda há uma semana para pesquisar, procurar saber mais sobre o candidato no qual depositamos nossa confiança. Quem sabe o "melhor" para a sua cidade não seja o do jingle mais dançante ou aquele que dedica mais abraços e agradecimentos. Quem sabe o melhor não seja repetir o "efeito Collor", de procurar o remédio após a enfermidade instalada, e não a vacina. Quem sabe o melhor, desta vez, seja votar consciente.