Por todos, o "Santos"


E hoje vai começar o embate. Quando Santos e Corinthians adentrarem ao gramado da Vila mais famosa do mundo, esta noite, não será apenas uma vaga na semi-final da Libertadores que estará em jogo. É um duelo de escolas, filosofias, condutas. Nada é tão oposto quanto Santos e Corinthians. E esta noite, e em todas as outras até a final, serei Santos, me desculpe, Tricolor.

A frase "o Santos é Brasil na Libertadores" nunca fez tanto sentido. A essência e a alma do nosso futebol parece, após agonizar, mostrar sinais de recuperação, com o Santos. Como é bom ver Neymar. Como é bom não esperar nada dele. Nada porque é imprevisível, é assustador, é genial. Como é bom saber que daqueles pés pode sair tudo, pra desespero dos "joões", órfãos de Garrincha. É bom saber que nosso futebol não acabou. Que não é xadrez, que não é feito, apenas, de físico, que é feito, fundamentalmente, de dom. E digo por mim: ótimo saber que camisa 10 não é lenda. Obrigado, Ganso.

Durante toda a história, os europeus tentaram incessantemente ser "brazileiros". Levaram nossos craques, às vezes, nossos técnicos. Não queriam mais ser apenas eficientes como eram. Queriam nossa graça, nosso talento, queriam fazer arte com a bola, assim como nós. Parece que conseguiram, com o Barcelona. Fizemos o caminho contrário. A cultura do resultado, do "um a zero é goleada", foi contaminando-nos. Viramos europeus, viramos Corinthians. Previsíveis, chatos, pragmáticos ao extremo. Um jogo de cartas marcadas, no qual não há blefe, nem um trunfo na manga. É baseado em "mais do mesmo por favor" e ponto. O objetivo é vencer pelo cansaço, pela aplicação.

Esse time do Santos faz-me experimentar um sentimento novo. Quem nunca ouviu os pais, avôs e bisavôs contarem saudosas histórias sobre o futebol de antigamente. Como tudo era tão romântico. Como era bonito ver o Santos jogar. Como Pelé aproximava-se da condição de deus. E como era "Divino" ver Ademir da Guia em campo. Particularmente, sinto inveja. Sou geração pós Ronaldo Fenômeno. Quem sabe "geração Ronaldinho Gaúcho" ou "geração Robinho". O primeiro só pude acompanhar pela televisão. O segundo, tive mais sorte. Consegui presenciar uma ou outra exibição. Mas nada que fosse pário às história que ouvia. Talvez por outra sorte dos mais velhos: tiveram Nelson Rodrigues, Armando Nogueira, João Saldanha. Tinham quem enxergasse e traduzisse o futebol de tal forma, tinham quem mitificasse os mitos. Mesmo com a ausência desses, percebo situação semelhante hoje. E, no futuro, serei eu quem tomarei o lugar dos pais, avôs e bisavôs e contarei com todo orgulho, e pompa de experiente, sobre as peripécias de Neymar, Ganso, Arouca...

Não, não torço para o Santos, para desespero de meu pai. E não é a "catequização anti-corinthiana", que sofri, e que todos os naturais da cidade de Santos sofrem, que está falando mais alto. Apenas gosto de sonhar. Nossa vida, o dia-dia, a rotina já são tão herméticos que, ao menos no futebol, acredito que devemos ter o luxo de sair do quadrado. É isso que o Santos faz. É isso que gosto de ver. Gosto de ter aquele sentimento de que, enquanto a bola rola, o mundo pára, os problemas dão trégua. Muito provavelmente quem não ama futebol não compreende. Mas este é o mito por trás da paixão inexplicável. O Santos faz-me sentir isso. O Santos é talento, ousadia e alegria em estado puro. É um pouco de cada um de nossos sonhos, personificados em craques, em lances, em magia dentro de campo. É um pouquinho de nós, brasileiros. É por nosso futebol, o original. É por nós.