E passou mais um 22 de abril


E passou mais um 22 de abril. Não me diga que é uma data como outra qualquer, não é. Neste aspecto sou diferente, por vezes chato. Gosto de comemorar um ano e três meses de namoro, dia do amigo, dia da árvore, qualquer dia. As coisas são difíceis, eu sei. Mas, sobrepor às alegrias preocupações não melhora em nada. Apenas dificulta, torna obscuro, insosso. Se não é para comemorar que servem as datas comemorativas, qual sua função? Por que o asterisco no calendário? Por que o número destacado em vermelho? Pra que lembrar?

Sim, talvez seja mais fácil encarar tudo desta forma. Passividade além de um sinal de fraqueza é um ótimo escudo. Nunca vi alguém que não se envolve, não se doa, encontrar-se em maus lençóis. É como diz o ditado: “só erra o pênalti aquele que bate”. Eu prefiro arriscar. Este é o primeiro aspecto no qual somos diferentes. Não honramos aquela história de tal pai tal filho, nem de longe. Quem disse isto certamente não nos conhecia. Eu prefiro a praia, você a casa. Sou São Paulo, você Santos. Você queria um engenheiro, talvez ganhe um jornalista, um escritor, ou talvez não ganhe nada. Eu prefiro explodir, você conter-se. Você queria-me por perto, eu fui correr atrás do que sempre quis. Longe. Não que eu não tenha um “quê” de você aqui. O orgulho, os valores, a cabeça dura e o perfeccionismo estão aqui, intactos. Quem sabe sou uma versão potencializada sua, com uma pitada a mais de ousadia e teimosia.

Entretanto, a sensação na data, este ano, foi singular. Passado o êxtase inicial, o ímpeto da descoberta de uma nova vida, caí em mim. Por mais que a comemoração nunca tivera sido o foco, nem fosse a que julgo ideal, senti falta. Substituí a ansiedade do dia pela serenidade, a correria do presente por uma oração, um abraço, por mais singelo que fosse, e as palavras de carinho por uma ligação. Frieza. Sentimento que mais incomoda-me. Prefiro a hostilidade. Ela é muito mais sincera. A frieza traz consigo o mistério, guarda palavras não ditas, sucumbe segredos, não revela motivos. Só não temos mais a frieza do que a solidão. Mas isto é assunto para outra conversa, outro desabafo, quem sabe.

Disquei. Prontamente você atendeu, parecia esperar. E eu já esperava por isso. O timbre desanimado mostrava uma despreocupação preocupada. Preocupado não com o dia, não com o fato, não com a comemoração, mas sim preocupado com de que forma levar esse pesado fardo que a vida lhe dera sem fraquejar em nenhum instante. Ou, ao menos, não aparentar que as pernas bambearam durante alguma subida, ao virar a esquina. Isto é algo que admiro. Não sei se já te disse. Não acho correto. A responsabilidade deve ser dividida. Porém acho bonito o jeito como nos blinda das adversidades e toma pra si as dores. Mas às vezes são dores demais. E é normal desanimar. Só que me parece que o desânimo é constante agora, a alegria é a exceção.

Detectei tudo isso em segundos, só pelo respirar, conheço-te bem. Após meia dúzia de palavras e algumas impugnações de praxe, as quais também sinto falta, chegou a minha vez. Dei-te os parabéns. A voz tremulou. Foi o som da saudade. Daqui os olhos ficaram marejados, ainda bem que não pôde ver. Em pensar que tantas outras vezes tivemos essa oportunidade e não a valorizamos. Muito por nossas personalidades, muito pelo seu orgulho, muito por uma sucessão de acontecimentos infelizes que evaporaram com o que havia de emoção em você. E eu te entendo, de verdade. Sustentar este fardo não é fácil, e acho que a minha ausência faz com que ele pese mais. O dia que não era comum, mas não era especial, que não era feliz, nem triste, tornou-se de reflexão para mim. Pensei, matutei, vi e revi e constatei que foi necessária a distância para que ficássemos por perto. Temo pelo dia da sua partida. Sei que tudo é provisório. Você ainda não se deu conta. Talvez seja por isso que abusa de tudo, inclusive do tempo. Eu rezo. Rezo para que tudo fique bem, rezo para que você fique bem. Não serei tolo de brigar com o relógio. Somos reféns dele. O tempo dita as regras, nós apenas acatamos. Por isso, neste 22 de abril, não tive dúvidas. Agarrei a oportunidade, aproveitei a chance e disse: “Parabéns, Pai! Eu te amo”.

Primeira vez

Há certos sentimentos que não gosto que permeiem nem mesmo meus sonhos, ou minhas ideias. Acredito muito na força do pensamento, no fluxo de energias, acredito, sim, que atraímos o que transmitimos. Esse fato, sem dúvida, é o que explica a minha, a nossa vida, que, como em um livro, parece ser dividida em capítulos. Mas, nessa publicação, os capítulos não são contínuos, não seguem uma lógica. No começo, nem mesmo o “leitor” mais intrépido, arriscaria dizer que dois personagens de esferas tão distintas protagonizariam a mesma história no final. O roteiro não é clichê, não é “Malhação”, foge dos padrões. Afinal, lógica pra que, por que, pra quem? A rotina deixa tudo tão chato, o hermetismo torna tudo tão frio, não é nossa cara.

Voltando à história dos fluxos, dos pensamentos, das energias, nem em meus delírios mais intensos, nem, quem sabe, à base de mescalina, poderia ter a noção de que a vida me presentearia desta forma. Talvez eu até prospectasse, entretanto, durante certo tempo, a vida e, as pessoas que atraí, fizeram com que eu não fosse capaz de crer que era possível. Não conheço sua história por inteiro, até prefiro que seja assim, você me conhece bem. Gosto de fantasiar, pensar que tudo começou a partir dali, a partir de mim. Quando começamos a escrever nosso trecho do livro, peguei as demais páginas e ateei fogo. Não sou saudosista, nem apegado. Mal havíamos terminado a segunda, terceira folha, e me dei conta de que os capítulos anteriores eram apenas referentes, uma espécie de manual de “como não se fazer”, mas que não serviriam nem para prefácio do nosso, que, diferentemente, íamos construindo em parceria.

Parceria. Essa é a palavra chave, é por este ponto que passa o sucesso do enredo, que completa mais um ciclo, e de sucesso. Como correu o tempo. Amizade, companheirismo, amor e pimenta nunca andaram de mãos dadas, ao menos para mim, ao menos até aquele dia. Dotada de uma sinceridade que salta aos poros do rosto, de um olhar que intriga mais do que minhas dúvidas e de uma doçura que me encanta, enxergo-te como um desafio, e me desafio. Desafio-me, a cada dia, fazer-te feliz, a manter o gostinho do primeiro beijo, da primeira vez. Desafio-me a corresponder a tuas expectativas, a manter o brilho em seus olhos, que me faz ter forças pra continuar quando penso em largar tudo. Quero galgar o topo e te puxar junto comigo. Não te largo, não te deixo. Escolhi e fui escolhido, não há a possibilidade de você ficar para trás, não seguir comigo, a menos que queira. É a primeira vez que penso assim. Sou mutável, sou de lua. Almejo algo, alcanço e mergulho fundo. Já larguei tudo, mais de uma vez. Já poderia tê-lo feito novamente, mas não. Preferi continuar, pela a primeira vez. Orgulho-me do estamos construindo. É a primeira vez, é fato inédito. Não tive surto, nem crise existencial artística que me desse vontade de destruir nossa obra. Optei por continuar. E Optei por continuar porque é a primeira vez que não escrevo história apenas para preencher páginas, e nem conto as folhas escritas pra ver quantas faltam para o fim. É a primeira que, todos os dias, são como a primeira vez.

Um texto especial, feito para Tatiane Bispo.